CAPITU NO TRIBUNAL
Folha de São Paulo,
de 25/06/1999
Em 1999, por ocasião das comemorações de publicação de DOM
CASMURRO, de MACHADO DE ASSIS , o Jornal Folha de São Paulo promoveu um
julgamento de CAPITU .Participaram do julgamento José Paulo Sepúlveda Pertence, ministro do
Supremo Tribunal Federal;o advogado criminalista
e Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos ;a Procuradora de Justiça Luiza
Nagib Eluf, autora do livro Crime contra os costumes e assédio sexual; o
historiador Boris Fausto; Rosiska Darcy
de Oliveira advogada e escritora; e os Escritores Carlos Heitor Cony e Marcelo
Rubens Paiva.
Unindo argumentação
jurídica , que levou em conta a legislação
vigente hoje e no final do século XIX , aos fatos narrados na obra por
BENTINHO , o julgamento prestou uma importante homenagem a obra de MACHADO DE
ASSIS que é, sem dúvida, um dos principais romances brasileiros. Além disso,
permitiu examinar o suposto adultério de CAPITU sob o ponto de vista das LEIS e
dos VALORES DA ATUALIDADE.
Ao final do julgamento feito pela classe, o professor
revelará os resultados do julgamento de CAPITU promovido pelo jornal.
1º OS AUTOS
A principal fonte de informação e de provas do suposto adultério de CAPITU é o relato
feito pelo próprio BENTINHO. Por isso todos os alunos que tiverem uma participação
direta no julgamento - seja na condição
de juiz ou de advogado , seja na de testemunha ou jurado - devem LER integramente a obra.Durante a
LEITURA, devem estar atentos a situações
e pistas que possam incriminar ou inocentar CAPITU e anotá-las para posterior consulta ou
citação.
2° DEFININDO OS PAPEIS
O JUIZ - Escolham
para o papel um colega que tenha facilidade para
administrar situações de conflito e bom senso de organização . Ele deve ser
coerente, equilibrado, imparcial.
A RÉ - CAPITU é a
ré. Ela poderá ser questionada pelo advogado de acusação e prestar esclarecimentos,
se solicitado, ao advogado de defesa e ao juiz.
OS ADVOGADOS DE DEFESA E DE ACUSAÇÂO – A condição essencial
para o papel é gostar de falar em público e ter uma boa capacidade de
ARGUMENTAÇÂO. Devem saber selecionar, organizar e apresentar as provas de modo claro, coerente e
gradativo; devem também saber sensibilizar os jurados , manter um bom
relacionamento com o juiz e ter facilidade para contra-argumentar.
TESTEMUNHAS - Se houver testemunhas, elas devem corresponder a
personagem da obra e devem se limitar aos
fatos narrados . Podem evidentemente , esclarecer com detalhes
o que viram ou sentiram, mas não podem modificar os fatos ocorridos na
história.
OS JURADOS - São
sete. Eles devem ter a capacidade de ouvir com atenção os argumentos
apresentados pela defesa e pela acusação e votar de acordo com a consciência ,
sem que outros fatores ou interesses
interfiram.
O PÚBLICO – Não é permitido ao público falar durante o
julgamento nem ter nenhuma outra forma de manifestação, como rir, brincar, etc.
3 ESTABELECENDO AS REGRAS
Em combinação com o professor, todos os envolvidos devem
estabelecer previamente as regras do julgamento: o tempo de cada advogado, o
tempo total do evento, se os advogados terão direito de réplica e de tréplica,
se serão feitas perguntas a CAPITU e quantas, se serão apresentadas testemunhas
e quantas, etc.
4 PREPARANDO A SALA
No dia combinado , preparem o ambiente para o julgamento. O
juiz deve ter sua mesa na frente da sala; no centro; em cada uma das laterais
fica um dos advogados , com uma mesa de apoio. Os jurados devem ficar em um dos
lados da sala ou na primeira fileira ,à frente do público. A ré deve permanecer
perto do advogado de defesa.
5
COLHENDO INFORMAÇÔES ( VEJAMOS ALGUNS ARGUMENTOS )
*Argumentação
apresentada por Luiza Nagib Eluf, em sua participação como Advogada de Defesa
Absolutamente toda suspeita em DOM CASMURRO , para Nagib
Eluf é invenção da mente neurótica do marido ciumento.
“” Essa história é milenar. É a história da paranóia masculina
“”disse a advogada, para êxtase da platéia que vinha acompanhando sua narrativa
com atenção. [...]
O retrato do marido de CAPITU traçado por Luiza Nagib Eluf é o de “”um sujeito que contruiu sua
própria ruína. A semente da destruição mora em Bentinho .””
Foi a paranóia que o teria levado a ver uma confissão de culpa no comentário da própria CAPITU
sobre a semelhança dos olhos de Ezequiel com os de Escobar - o que, disse a advogada “”não seria
dissimulação , seria burrice. “”[...]
Para Nagib Eluf, quem deveria estar sendo julgado ali era o
marido Bentinho, por paranóico, neurótico, e inseguro que era, “”ensandecido de
ciúmes, como muitos homens que mataram suas esposas””
*Argumentação
apresentada por Marcio Thomaz Bastos, em sua participação como Advogado de
Acusação
Bentinho conta que só lembra de ter ido sem Capitu ao
teatro duas vezes. Em uma delas, a MOÇA
DOS “”OLHOS DE RESSACA “” diz que não poderia assistir a estréia de uma ópera ,
pois tinha adoecido. Preocupado com o
padecimento da mulher, Bentinho volta mais cedo, após o primeiro ato. Quando
chega em casa encontra Escobar. O amigo explica que tinha ido lá para tratar de
alguns negócios. Em sua acusação, Bastos dramatizou a situação de modo a
demonstrar que a “”terrível dor de cabeça”” de CAPITU que “”logo desaparece””,
estaria intrinsecamente ligada a visita inesperada de Escobar. “” É uma
explicação de quase flagrante”” explicou o advogado.
*Argumentação
apresentada por Marcelo Rubens Paiva, escritor dramaturgo e autor do livro
Feliz ano Velho , e no julgamento faz o papel de testemunha de acusação.
“”Bentinho era um chato e acho que tinha
tendências homossexuais “”. A sua relação com Escobar era bem estranha.
Argumentação
apresentada por * Carlos Heitor Cony, jornalista ,escritor e autor de Quase memória,
que participou do julgamento como testemunha
de acusação.
“”Assim como Bentinho diz que Capitu adulta
já estava na criança , como um fruto dentro da casa , é preciso ver que
Bentinho era uma pessoa que foi traído que estava na casa.. Desde a infância era
um chifrudo em potencial. Ela foi uma adúltera , mas, cá entre nós, embora
testemunha de acusação , eu absolvo, porque, CAPITU foi uma adúltera
extraordinária. E, se não fosse, a humanidade seria muito mais chata do que é
* Argumentação
apresentada por Rosiska Darcy de
Oliveira, em seu testemunho de defesa.
Em um discurso que mesclou o feminismo argumentação jurídica e interpretação literária , Rosiska procurou demonstrar que era Bentinho , e não
CAPITU, quem tinha desejos de infidelidade
( pela mulher do amigo Escobar, Sancha}.
“”Por ser Bentinho um traidor , só pode ser
absolvido pela traição dela””, disse Rosiska, comparando DOM CASMURRO a OTELO de SHAKESPEARE. “” Se Desmdêmona, que
era inocente, mereceu morte, o que não merecia CAPITU, que é culpada ?””
* Argumentação
apresentada por Boris Fausto, historiador, professor da USP, que participou
como testemunha de defesa.
“”Essa peça, do ponto de vista de uma
acusação jurídica, é absolutamente imprestável, com licença de MACHADO DE
ASSIS.É uma história contada por alguém
que tem sua versão , que está confiante de estar sendo traído pela
mulher.O que ocorreria se CAPITU falasse ???
CEREJA, William Roberto
Português: Linguagens , volume único/
William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. – São Paulo: Atual, 2003;.
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